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Gengibirra e a ancestralidade negra amapaense

Foto: Alicia Miranda Alicia Miranda

Iniciar uma reflexão sobre ancestralidade e conhecimento preto em um estado cuja a maior parcela da população se declara negra ou parda deveria ser uma tarefa fácil, infelizmente não é. O Amapá, estado onde nasci e me criei, possui sua história marcada por uma grande luta da população preta em se fazer presente, viva e reconhecida por suas raízes de construção da cultura e modo de vida amapaense. Nesse breve texto gostaria de registrar uma tecnologia preta amapaense, a qual se chama Gengibirra. A Gengibirra é uma bebida produzida através de gengibre, açúcar e aguardente. Normalmente está inserida dentro do ciclo do Marabaixo e é distribuída durante os festejos. Já o Marabaixo, a título de informação, é uma manifestação cultural negra amapaense, que consiste em rodas de dança, canto e percussão envolvendo o louvor aos santos padroeiros das comunidades.

Foto: Festejo de abertura do ciclo do Marabaixo no Centro de Cultura Negra Raimundinha Ramos em Macapá-AP. (reprodução: Fundação Marabaixo)

Nesse contexto, a bebida foi desenvolvida como o objetivo de fazer com que os cantores e cantoras dos “ladrões”, que são as cantigas que embalam as rodas, conseguissem aguentar a noite toda cantando, visto que no início da celebração não existia microfones, o gengibre aparece como mediação tendo em vista sua ação analgésica e anti-inflamatória. Em uma época onde não se existia toda a produção que hoje se utiliza para o ciclo do Marabaixo, nosso ancestrais precisavam usar o que estava a disposição e articular isso com o conhecimento que já possuíam, aqui se destaca o sobre as plantas.

Foto: Gengibirra sendo servida de forma tradicional no alguidar. (reprodução: Netto Lacerda/GEA)

Ela também está associada a relação de produtividade das comunidades africanas, a qual se baseia em produzir para atender as necessidades comunitárias. Durante os festejos do Marabaixo a gengibirra é uma bebida distribuída gratuitamente a todos os participantes, visto que com o passar das décadas ela se tornou uma bebida também ritualística dos ciclos de Marabaixo. Nesse sentido a gengibirra é um grande exemplo de tecnologia ancestral vinculada a saberes medicinais e práticas comunitárias do povo preto amapaense. Assim como boa parte das tecnologias ancestrais, a gengibirra e o próprio Marabaixo enfrentam os desafios de se manterem ativas em uma realidade permeada pelas heranças do colonialismo, o qual:

Se impõe através da violência, do assassinato, do econômico, do cultural e social e do tecnológico, determinando modos de ser, de atuar e de pensar; e é naturalizado pelas elites (colonialismo interno) através de uma cultura homogênea e na subordinação ao mercado mundial. (FELLNER, Ana María Rivera; OLIVEIRA, Leander Cordeiro de; MERKLE, Luiz Ernesto. 2020, p.325)

Essa forma de suprimir nossas potencialidades e existências afetam principalmente a percepção sobre estas, incutindo em nossas mentes que tudo o que é de fora é sempre melhor e o interno sempre subalterno e inferior. Essa dicotomia totalmente irreal desmonta saberes e consequentemente nossa história e memória, deixando a difícil, mas não impossível, tarefa de se reorganizar e lutar. Esse processo de luta vem sendo ancorado na aceitação das diversidades e multiplicidades das formas de conhecimento, na valorização e o reconhecimento destes saberes por parte de nosso ancestrais como forma de romper com a lógica de que para se chegar no progresso é preciso superar o passado e o que ele carrega. Além disso, os processos de reconhecimento dessas tecnologias enquanto patrimônios materiais e imateriais vem se somando bastante na luta das comunidades e povos que se dedicam a manter vivo os seus saberes e praticas ancestrais.

Outro ponto importante para a manutenção da gengibirra enquanto uma tecnolgia ancestral é a continuação da sua produção artesanal pela comunidade negra. É muito importante que esses modos de fazer sejam ensinados para os mais novos. Dessa forma, é preciso se ter uma escuta atenta quando nosso mais velhos falam; pois é com eles que aprendemos os significados, a história e as lutas por trás de nossas tecnologias ancestrais, fortalecendo assim nossas existências.

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